Amapá, Mangueira e R$ 10 Milhões: Polêmica, Cultura e Política no Carnaval
O anúncio de que o governo do Amapá investirá R$ 10 milhões para que a Estação Primeira de Mangueira leve a história do estado para a Marquês de Sapucaí no carnaval de 2026 acendeu um intenso debate nacional. De um lado, a celebração de uma oportunidade única de projeção cultural e turística. Do outro, duras críticas sobre a priorização de gastos em um estado com grandes desafios sociais. A polêmica, que une samba, política e gestão de recursos públicos, convida à reflexão.
O Acordo e a Articulação Política
Em abril de 2025, o governo de Clécio Luís (Solidariedade) firmou um termo de fomento com a tradicional escola de samba carioca. O objetivo é financiar o enredo "Amapá, terra das águas e da liberdade: a Amazônia negra brasileira", que contará a história de Mestre Sacaca, um icônico curandeiro e folclorista amapaense.
A articulação para o acordo contou com figuras políticas de peso. Segundo a própria Secretaria de Cultura do Amapá, a aproximação se deu a partir de uma conversa entre o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e o presidente da Embratur, Marcelo Freixo (PT), um conhecido torcedor da Mangueira. Freixo confirmou ter intermediado o contato inicial, enquanto Alcolumbre admitiu ter "incentivado e apoiado" a iniciativa, ambos negando participação na negociação financeira ou destinação de recursos próprios.
Detalhes do Investimento
Valor Total: R$ 10 milhões
Partes: Governo do Amapá e Estação Primeira de Mangueira
Objeto: Enredo do Carnaval de 2026
Pagamento: R$ 6 milhões já haviam sido pagos até outubro de 2025
Articuladores: Davi Alcolumbre (Presidente do Senado) e Marcelo Freixo (Presidente da Embratur)
A Defesa: Investimento em Cultura e Retorno Econômico
Do ponto de vista do governo amapaense e de seus apoiadores, o investimento é estratégico. A justificativa oficial é que a Mangueira foi a "única escola de samba a manifestar interesse" em homenagear o estado, e que a parceria é uma "oportunidade para valorizar a nossa cultura e para fortalecer o turismo local"
O argumento central é que a visibilidade proporcionada pelo desfile na Sapucaí, um dos eventos de maior audiência no mundo, traria um retorno incalculável em termos de imagem, atraindo turistas e investimentos. A nota oficial de Davi Alcolumbre reforça essa visão, afirmando que a homenagem "dará visibilidade à cultura, à história e às riquezas do Amapá, contribuindo para impulsionar o turismo, atrair investimentos e gerar novos negócios"
Essa perspectiva se alinha à ideia de que a cultura não é um gasto, mas um investimento com potencial de retorno econômico. O enredo, ao focar na figura de Mestre Sacaca e na chamada "Amazônia Negra", joga luz sobre um patrimônio cultural brasileiro rico e muitas vezes invisibilizado, celebrando saberes ancestrais e a identidade afro-amazônica do Amapá. O contrato prevê, inclusive, ações de intercâmbio cultural e a produção de conteúdo audiovisual para divulgar o estado.[
A Crítica: Prioridades e Desafios Sociais
Na outra ponta do debate, a crítica é contundente e se concentra na questão das prioridades. Opositores e analistas questionam como um estado que enfrenta sérios desafios socioeconômicos pode destinar uma verba tão expressiva para um evento de carnaval em outro estado.
O Amapá figura entre as unidades federativas com os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, ocupando a 24ª posição no ranking nacional com um índice de 0,688 em 2021.
A capital, Macapá, apresenta indicadores preocupantes em áreas como pobreza, segurança, saúde e trabalho. Críticos, como o colunista Leandro Mazzini, apontam a contradição de um governo que investe milhões em um desfile enquanto "a população sofre sem emprego e renda".
Com um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil, [...] o Governo do Amapá decidiu contribuir para a baixa estima da população que sofre sem emprego e renda. O Governo vai pagar R$ 10 milhões (isso mesmo) à agremiação Escola de Samba Mangueira, do Rio de Janeiro, para ser o enredo como homenageada no Carnaval de 2026 na Marquês de Sapucaí – evento privado e controlado por liga de contraventores. — Coluna Esplanada, 18 de novembro de 2025.
Para essa corrente de pensamento, o valor de R$ 10 milhões poderia ser aplicado em áreas essenciais, como a construção de hospitais, melhoria da infraestrutura ou saneamento básico. A percepção é de que o investimento, embora travestido de cultural, tem fortes motivações políticas e representa um uso questionável do dinheiro público.
Um Convite à Reflexão
O caso do Amapá e da Mangueira não é isolado. Em anos anteriores, a Beija-Flor recebeu R$ 8 milhões de Maceió (AL) e a Grande Rio foi patrocinada por empresas via incentivo fiscal do Pará para homenagear os respectivos estados. A prática expõe um dilema central na administração pública brasileira.
De um lado, a aposta na economia criativa e na cultura como vetores de desenvolvimento e afirmação de identidade. Do outro, a urgência das demandas sociais básicas e a desconfiança sobre as verdadeiras intenções por trás de tais investimentos. Cabe ao cidadão analisar os argumentos, ponderar os fatos e formar sua própria opinião: trata-se de uma estratégia visionária de promoção ou de um desfile de prioridades invertidas?
Referências
[4] IBGE. "Amapá | Cidades e Estados". Acessado em 28 de novembro de 2025.
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